21 jan

A LEI COMPLEMENTAR Nº 110/2001 E A CORREÇÃO DOS SALDOS DAS CONTAS VINCULADAS DO FGTS PARA COBRIR PERDAS DOS PLANOS VERÃO E COLLOR I

Postado por admin Em Artigos

*Dra. Melissa Martins

 Em 30 de junho de 2001 foi publicada a Lei Complementar nº 110, que instituiu a contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, com alíquota de 10% (dez por cento) calculada sobre o montante de todos os depósitos fundiários do empregado (Art. 1º); e a contribuição social devida pelos empregadores, em alíquota de 0,5% (cinco décimos por cento) calculada sobre a remuneração devida ao empregado (Art. 2º).

As justificativas apresentadas para aprovação das contribuições sociais foram expostas no projeto de Lei complementar e formuladas, em conjunto, pelos Ministros da Fazenda e do Trabalho, cujo trecho segue transcrito:

“Temos a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência a anexa minuta de Projeto de Lei Complementar que autoriza o crédito, nas contas vinculadas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, dos complementos de atualização monetária decorrentes de decisão do Supremo Tribunal federal, sob condição da aprovação da contribuição social de 10% (dez por cento) dos depósitos do FGTS, devida nos casos de despedida sem justa causa, e da contribuição social de 0,5% (cinco décimos por cento), incidente sobre a folha de pagamento, ora propostas.

O FGTS, como se sabe, constitui um verdadeiro patrimônio dos trabalhadores e cumpre uma função essencial de valorização do tempo de serviço. De outro lado, tem sido um instrumento importante na geração de empregos, pelos investimentos que viabiliza. Não obstante, o FGTS foi afetado em sua capacidade de atender integralmente seus objetivos por elevadas taxas de inflação e por determinados planos econômicos.

O reconhecimento por parte do Poder Judiciário de que os saldos das contas vinculadas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço foram corrigidos a menor na implementação dos Planos Verão e Collor I, teve o efeito de aumentar o passivo do FGTS sem o correspondente aumento do ativo necessário para evitar um desequilíbrio patrimonial do Fundo. Diante dessa decisão da Justiça, e devido à possibilidade de que um número excessivo de trabalhadores ajuizasse demandas para correção dos saldos na mesma proporção, o que teria o efeito de paralisar o processo Judiciário no País, Vossa Excelência decidiu estender a todos os trabalhadores a correção automática de seis saldos, independentemente decisão judicial. Isto criou uma necessidade de geração de patrimônio do FGTS da ordem de R$ 42 bilhões.

A cobertura de um passivo de tamanha magnitude, corresponde a quase 4% do total do produto gerado no país, não é uma tarefa fácil. Uma possibilidade seria que o Tesouro Nacional assumisse e repassasse ao FGTS o montante de recursos necessários. O problema é que, para tanto, seria necessário que o Tesouro Nacional aumentasse a dívida pública no montante dos recursos necessários (4% do PIB) ou aumentasse a oferta monetária neste mesmo montante. No primeiro caso, o efeito seria um aumento de todas as taxas de juros que, muito provavelmente, abortaria o recém retomado crescimento da economia brasileira, com menor geração de empregos e aumento da taxa de desemprego. No segundo caso, teríamos um aumento da taxa de inflação. Em ambas as situações, o efeito final atingiria principalmente os trabalhadores mais pobres e menos qualificados.

É importante notar que, como o Tesouro Nacional não gera recursos, mas sim transfere recursos entre os diferentes grupos sociais no país por meio da arrecadação de  impostos e dos gastos públicos, o aumento da dívida pública ou da oferta monetária significariam uma clara transferência perversa de renda, dos trabalhadores sem carteira assinadas e por contra própria, para os trabalhadores com carteira assinada, que têm rendimentos relativamente mais elevados que os dois outros grupos de trabalhadores. Foi exatamente para evitar tais desdobramentos que Vossa Excelência decidiu que a conta não poderia ser paga exclusivamente pelo Tesouro Nacional e promoveu, com as centrais sindicais e confederações patronais que participam do Conselho Curador do FGTS, um processo de negociação que viabilizasse o pagamento do montante devido aos trabalhadores.

No processo de negociação, várias propostas foram apresentadas e discutidas pelas partes envolvidas. A proposta daí resultante pode ser resumida da seguinte forma:

– contribuição social devida nos casos de despedida sem justa causa, destinada ao FGTS, de 10% dos depósitos referentes ao Fundo;

– criação de uma contribuição social de 0,5% sobre a folha de salários das empresas não participantes do Simples, destinada ao FGTS (não abrangendo pessoas físicas empregadoras e de empregados domésticos e de empregados rurais);

– utilização de parte das disponibilidades hoje existentes no FGTS;

– deságio de 10% a 15%, concedido pelos trabalhadores com complementos de atualização monetária cujos valores estejam acima de R$ 1.000,00;

– contrapartida do Tesouro Nacional correspondente a R$6 bilhões.

Com estas medidas, o FGTS conseguirá alcançar a 92% dos titulares das contas vinculadas, que têm complementos de atualização monetária não superior a R$1.000,00, até junho de 2002. Os demais titulares que têm valores acima desse montante, terão o complemento creditado em suas contas entre julho de 2002 e junho de 2006, finalizando o pagamento em cinco anos, contados a partir de julho de 2001.

O período necessário para que todos os trabalhadores recebam o que lhes é devido é, dentro do acordo, bem menor do que provavelmente viria a ocorrer se estes tivessem que entrar com demandas judiciais, dado ao acúmulo de processos que ocorreria na Justiça e a consequente lentidão que isto acarretaria no julgamento destes processos.

A contribuição social devida nos casos de despedida sem justa causa, além de representar um importante instrumento de geração de recursos para cobrir o passivo decorrente da decisão judicial, terá como objetivo induzir a redução da rotatividade no mercado de trabalho brasileiro. Convém destacar que, apenas em 2000, ano de grande crescimento econômico, no qual o emprego formal apresentou maior crescimento nos últimos 14 anos – de acordo com o Cadastro Geral de Emprego (CAGED), o emprego cresceu 3,2% – foram despedidos, sem justa causa, 8,1 milhões de trabalhadores, de um contingente de cerca de 22 milhões de trabalhadores, com contrato de trabalho regido pela CLT.

Com vistas ao fortalecimento e à consolidação do patrimônio do FGTS, propõe-se também a instituição de contribuição social de 0,5% (cinco décimos por cento) incidente sobre a remuneração dos empregados paga pelas empresas de médio e grande porte. A medida isenta as empresas inscritas no Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES. Isenta também da contribuição as pessoas físicas em relação à remuneração aos empregados domésticos e as pessoas físicas cuja renda se equipare à do empresário inscrito no Simples, em relação à remuneração paga aos empregados rurais.

A urgência solicitada se deve à necessidade de que os recursos das contribuições que ora se propõe criar sejam coletados pelo FGTS no mais breve período de tempo, a fim de que trabalhadores possam receber a complementação de atualização monetária nos prazos propostos na anexa minuta de projeto de lei complementar.”.

Com base nos motivos ora mencionados, a contribuição social incidente sobre a remuneração do empregado fixada em cinco décimos percentuais restou estabelecida por tempo determinado. Sua vigência perdurou por 60 (sessenta) dias (§2º art. 2º).

A contribuição social fixada em 10% (dez por cento) sobre os depósitos fundiários do empregado despedido sem justa causa, no entanto, permanece em vigor até os dias atuais, embora diversos defendam o exaurimento da destinação e da finalidade para as quais foi criada a contribuição social, dentre eles o próprio Congresso Nacional que buscou através dos projetos de lei nº 378/2006; 198/2007 e 200/2012 extirpá-la do ordenamento jurídico e a Caixa Econômica Federal que, por nota técnica, declarou que esta contribuição social foi necessária até julho de 2012.

A contribuição social instituída pela Lei complementar nº 110/2001, cujo valor corresponde ao percentual de 10% (dez por cento) aplicado ao montante de todos os depósitos devidos ao FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescidos das remunerações aplicáveis às contas vinculadas, devida pelo empregador quando da despedida do empregado sem justa causa, portanto, permanece em vigor, porém, não mais para cumprir a finalidade para a qual foi instituída.

Este desvio de finalidade da contribuição social, contudo, é ilegal e arbitrário, pois não passou pelo crivo do Poder Legislativo.

Em outras palavras, não há autorização legislativa para que o governo acumule receita com a contribuição social no percentual de 10% (dez por cento) sobre os depósitos fundiários do empregado demitido sem justa causa, e a empregue em outros fins que não àquele definido na lei que a instituiu – o custeio dos expurgos inflacionários das contas vinculadas do FGTS decorrentes do Plano Verão e Collor I.

Na lição de Marco Aurélio Greco “Alterar a finalidade é criar uma nova contribuição, sujeita ao respectivo exame de compatibilidade constitucional, tanto sob o ângulo formal, como substancial.” (Contribuições uma figura sui generis, Dialética, 2000, p. 150).

Vê-se, com isso, que a contribuição social se sustenta e se caracteriza por sua finalidade. A ausência de finalidade, o seu cumprimento ou o desvio da finalidade tornam a manutenção da cobrança do tributo ilegal.

Diante deste quadro, fracassada as tentativas do Congresso Nacional de por fim à contribuição social prevista no artigo 1º da LC nº 110/2001, resta ao contribuinte buscar junto ao Poder Judiciário o direito de afastar a exigibilidade desta contribuição social pela perda da finalidade que justifique a permanência de sua cobrança.

 * Advogada. Especialista em Direito Tributário e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Sócia da Bianchi Advocacia

 


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