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O REQUERIMENTO DE SUSPENSÃO DA CNH E DE PASSAPORTES DO DEVEDOR: A ÚLTIMA ESPERANÇA DO CREDOR

Postado por admin Em Artigos

*Dr. Daiane Rigatti

Quem já tentou cobrar uma dívida em juízo sabe muito bem o calvário que é conseguir, ao final do processo, “colocar a mão no dinheiro”.

Isso porque, na imensa maioria das vezes, o devedor se utiliza de artimanhas e situações para não quitar o valor devido.

O sentimento é de que a lei protege o devedor.

Tal sentimento tem origem no fato de que o Código de Processo Civil de 1973, que já fazia menção as chamadas medidas atípicas de execução (tais como a retenção da CNH e do passaporte), restringia sua aplicação à execução de obrigações de fazer, não fazer ou de dar coisa diferente de dinheiro.

Dessa forma, a execução de obrigação de pagar quantia, neste contexto, sempre se submeteu ao rol taxativo das chamadas medidas executivas típicas, como a penhora, o desconto em folha e a adjudicação do bem pelo credor.

Assim, constatada a inexistência de bens em nome do devedor para satisfazer a dívida pecuniária, a execução era frustada, tal qual o sentimento de justiça do credor.

A doutrina sempre criticou essa dualidade de regimes jurídicos de execução, e a crítica ganhou coro nos últimos anos, diante da percepção de que as medidas executivas típicas (penhora, etc.), sozinhas, não são capazes de garantir a efetividade da jurisdição e, consequentemente, o resultado almejado pelo interessado.

Em razão disso, o legislador do Código de Processo Civil de 2015 teve a cautela de esclarecer que a razoável duração do processo (princípio constitucional, elencado no rol dos direitos fundamentais do artigo 5º da Constituição Federal) compreende a atividade jurisdicional como um todo, aí incluída a execução.

É o que se infere da leitura do artigo 4º:

Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

E do artigo 139, inciso IV, do diploma processual:

Art. 139.  O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

[…]

IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

Assim, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, passou a ser possível a adoção de medidas atípicas de execução também com relação às obrigações pecuniárias, dentre as quais se inserem a suspensão do direito de dirigir veículo automotor e a suspensão de passaporte.

Embora não haja posicionamento minimamente firmado sobre quais seriam os limites da aplicação de tais medidas, por se tratar de novidade no cenário dos processos de execução, inconteste que a suspensão do direito de dirigir veículo automotor e a suspensão de passaportes não são situações capazes de vulnerar os direitos fundamentais do devedor. Primeiro, porque não se trata de restrição ao direito de ir e vir, uma vez que o devedor continuará no gozo de plena liberdade de locomoção; e segundo, porque a condução de veículo automotor e a realização de viagens internacionais são meras comodidades da vida moderna, não se tratando de direito absoluto.

Acompanhando esse raciocínio, o E. Superior Tribunal de Justiça, há pouco mais de dois meses, especificamente em 05/06/2018, ao julgar o Recurso em Habeas Corpus nº 97.876, apresentado por um homem que devia cerca de R$ 16,9 mil em um contrato de prestação de serviços educacionais, entendeu que a suspensão da CNH não ofende o direito de ir e vir do devedor, porque a liberdade de se deslocar permanece, ainda que a pessoa não possa conduzir um automóvel.

Na decisão, o Eminente Ministro Luis Felipe Salomão assim se manifestou:

“O detentor da habilitação segue com capacidade de ir e vir para qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo. Entender de forma diferente significa dizer que quem não detém CNH estaria constrangido em sua locomoção.”

Frisa-se que esta não foi a primeira vez que o E. Superior Tribunal de Justiça analisou o tema. No julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº 88.490, a Eminente Ministra Maria Isabel Gallotti manteve a suspensão da CNH do ex-senador Valmir Amaral, do Distrito Federal, que não havia pago uma dívida com um fundo de investimentos. Na época, a suspensão foi justificada como meio de incentivar o cumprimento da obrigação, bem como foi explicitado que a suspensão da habilitação do ex-senador “não restringe seu direito de locomoção”.

Em outro processo, um advogado de São Paulo não conseguiu liberar a sua CNH suspensa por uma dívida cobrada na Justiça (Habeas Corpus nº 428.553). O relator do caso, o Eminente Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, assim se manifestou:

“Há julgados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a imposição da medida cautelar de suspensão do direito de dirigir veículo automotor, não tem o condão, por si só, de caracterizar ofensa ou ameaça à liberdade de locomoção do paciente, razão pela qual não é cabível o manejo do habeas corpus.”

E com mais razão ainda se admite a suspensão do passaporte do devedor, até porque a realização de viagens ao exterior se revelaria um despautério no caso daquele que não honra suas dívidas.

É importante elucidar que o direito de crédito da parte credora, que deriva do direito de propriedade e, por isso mesmo, tem envergadura constitucional, sobressai-se ao direito do devedor de conduzir veículos automotores e realizar viagens internacionais.

De fato, não há dúvidas de que, ao ponderar os interesses jurídicos das partes, o direito do devedor sucumbe, uma vez que o direito do credor é o único que se mostra essencial à dignidade da pessoa.

Certo é que quem não tem dinheiro para pagar o valor que lhe é exigido na execução, nem tem bens para garantir tal atividade, também não tem dinheiro para ser proprietário de veículo automotor e realizar viagens internacionais. Com isso, suspender tais direitos só viriam a atingir aqueles que, de modo fraudulento, camuflam a existência de patrimônio com o deliberado fim de fugir à responsabilidade pelo pagamento do débito.

Assim, exauridos todos os meios disponíveis para localização de bens do devedor, passa a ser possível, ao credor, requerer a aplicação de medida coercitiva, a fim de motivar o devedor a efetuar o pagamento da dívida ou, pelo menos, fazê-lo ir a juízo tentar uma negociação, cabendo ao Poder Judiciário  deferir as providências cabíveis para solução da questão que lhe for submetida.

 

* Pós-graduada em Direito Processo Civil pela Escola Superior da Magistratura Federal. Sócia da Bianchi Advocacia.


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