16 abr

O cálculo do salário-de-contribuição do segurado que contribuiu em atividades concomitantes

Postado por admin Em Artigos

*Dra. Kátia Schenato Valandro

É comum encontrarmos pessoas que contribuíram, ou contribuem, para o INSS – Instituto Nacional de Seguro Social – em razão de atividades concomitantes, isto é, em razão de dois vínculos de empregos, ou um vínculo de emprego e um vínculo como autônomo. Um exemplo clássico é o professor que presta serviços a uma escola particular e, ainda, leciona aulas particulares, atuando como autônomo. Ou, ainda, um arquiteto que possui vínculo de emprego com uma empresa e, paralelamente, é sócio ou dono de uma pessoa jurídica.

Estes são apenas dois exemplos, dentro de uma série de situações possíveis.

A crença popular era de que estes valores eram somados.

No entanto, não era isso o que ocorria (e ocorre).

Inclusive era (é) recorrente o questionamento das pessoas quanto a ser possível “aumentar o valor da aposentadoria pagando o carnê” além do que já é contribuído em razão do emprego com carteira assinada.

A orientação, contudo, era de que as pessoas evitassem realizar este tipo de “manobra” em razão da forma como o INSS realizava o cálculo do valor do benefício.

Explica-se.

A Lei nº 8.213/91 determinava, em sua redação original, que o salário-de-benefício seria calculado com base na média aritmética simples dos últimos 36 salários-de-contribuição encontrados no período de 48 meses anteriores ao requerimento do benefício.

Considerando essa sistemática de cálculo originalmente prevista, o legislador teve a necessidade de adotar algumas medidas a fim de garantir segurança e estabilidade ao sistema previdenciário, impedindo que nos últimos meses antes da aposentadoria o segurado elevasse subitamente os valores de suas contribuições com o intuito de obter um benefício mais elevado.

Por esse motivo, foi estabelecida, no art. 29 da lei 8.212/91, a escala de salários base para os contribuintes individuais, a qual estipulava um número mínimo de meses de permanência em cada classe e o valor das contribuições a serem vertidas em cada classe.

Além disso, a fim de evitar que o segurado empregado obtivesse uma elevação artificial do valor do benefício começando a exercer outra atividade remunerada como empregado ou como contribuinte individual quando estivesse próximo da aposentadoria, no art. 32 da Lei 8.213/91, foi estipulada forma especial de cálculo para os segurados que exercessem atividades concomitantes.

Segundo o artigo 32 da Lei de Benefícios (Lei 8.213/91), o salário-de-benefício do segurado que contribuir em razão de atividades concomitantes deve ser calculado com base na soma dos salários-de-contribuição das atividades exercidas, no período básico de cálculo, quando satisfizer, em relação a cada atividade, as condições do benefício requerido.

Isto é, os valores vertidos somente seriam somados caso o segurado satisfizesse, em relação a cada atividade, os requisitos do beneficio requerido.

Não satisfeitas as condições em relação a cada atividade, o salário-de-benefício corresponde à soma do salário-de-benefício da atividade principal, esta considerada aquela em relação à qual preenchidos os requisitos ou, não tendo havido preenchimento dos requisitos em relação a nenhuma delas, a mais benéfica para o segurado, e de um percentual da média do salário-de-contribuição da atividade secundária, conforme dispõe o inciso II do artigo 32 da Lei 8.213/91.

Assim, se o segurado completasse os requisitos para aposentadoria em relação a ambas a atividades poderia somar os salários-de-contribuição, porém se adquirisse o direito apenas em relação a uma das atividades o cálculo do benefício consideraria o salário-de-contribuição da atividade principal, e um percentual (proporcional ao tempo de contribuição) referente à atividade secundária.

Giza-se que tal metodologia de cálculo visava garantir o equilíbrio financeiro, bem como a adequada fonte de custeio do sistema previdenciário, pois, como a maior parte da vida contributiva do segurado seria desconsiderada no cálculo do benefício, era imperioso que se encontrasse soluções para evitar a repentina elevação das contribuições no período básico cálculo.

Assim, a aplicação do art. 32 da Lei 8.213/91 induz que os segurados empregados somente poderiam utilizar o salário-de-contribuição referente a atividade principal e uma parcela do valor da contribuição referente a atividade secundária.

Todavia, em 26 de novembro de 1999, foi editada a Lei 9.876/99 que alterou substancialmente a sistemática de cálculo do salário-de-benefício, tornando inócua a escala de salários base e a previsão do art. 32 da Lei 8.213/91.

Isto porque, a partir da edição da Lei 9.876/99, o art. 29 da Lei 8.213/91 passou a prever que o valor do benefício seria apurado através da média aritmética dos 80% maiores salários-de-contribuição vertidos durante toda a vida do segurado, aplicando-se ainda um elemento atuarial, o fator previdenciário, no cálculo dos benefícios de aposentadoria por tempo de contribuição e por idade.

Com base nessa modificação, os Tribunais Pátrios têm entendido que com a extinção da escala de salário-base a partir de abril de 2003, deixou de haver restrições ao recolhimento por parte dos contribuintes individual e facultativo. Eles passaram a poder iniciar a contribuir para a previdência com base em qualquer valor. Mais do que isso, foram autorizados a modificar os valores de seus salários-de-contribuição sem respeitar qualquer interstício. Os únicos limites passaram a ser o mínimo (salário mínimo) e o máximo (este reajustado regularmente).

Assim, verifica-se que para os benefícios concedidos com base na sistemática de cálculo introduzida pela Lei 9.876/99 com data de início posterior a 01/04/2003 (data da extinção da escala de salários base) não é mais possível realizar o cálculo da renda mensal sob a sistemática do art. 32 da Lei 8.213/941, pois este foi derrogado implicitamente, por ter se tornado inconstitucional e incompatível com o novo regramento acerca dos salários de contribuições e da forma de cálculo do benefício.

É necessário salientar que a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) ratificou, recentemente, por maioria de votos, a tese de que, no cálculo de benefício previdenciário concedido após abril de 2003, devem ser somados os salários-de-contribuição das atividades exercidas concomitantemente, sem aplicação do artigo 32 da Lei 8.213/1991.

A decisão foi tomada na sessão do último dia 22 de fevereiro, realizada na sede do Conselho da Justiça Federal (CJF), em Brasília.

O processo foi julgado como representativo da controvérsia, para que o entendimento seja aplicado a outros casos com a mesma questão de Direito.

Em seu voto (divergente), a juíza federal Luísa Hickel Gamba argumentou que prevalece na 4ª Região da Justiça Federal o entendimento de que, no cálculo de benefícios previdenciários concedidos após abril de 2003, devem ser somados os salários-de-contribuição das atividades exercidas concomitantemente, inclusive para períodos anteriores a abril de 2003, com observância do teto, em face da derrogação do art. 32 da Lei nº 8.213/91 pela legislação superveniente que fixou novos critérios de cálculo da renda do benefício, especialmente a Lei nº 10.666/03.

Dessa forma, orienta-se o segurado que contribua ou tenha contribuído por meio de atividades concomitantes que procure profissional de sua confiança para esclarecer dúvidas e verificar se o cálculo realizado de forma administrativa está de acordo com o atual entendimento jurisprudencial a respeito do tema.

Advogada. Especialista em Direito Previdenciário e em Direito dos Negócios. Sócia da Bianchi Advocacia.


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