02 set

A PESSOA JURÍDICA PODE SOFRER DANOS MORAIS?

Postado por admin Em Artigos

*Dra. Daiane Rigatti

Para a caracterização do dano moral são necessários os seguintes elementos: (i) o ato; (ii) o dano; (iii) o nexo de causalidade entre o ato e o dano e (iv) o dolo ou a culpa do agente causador do dano.

Toda e qualquer responsabilidade civil repousa na ofensa a um bem jurídico, sendo certo que, no caso do dano moral, esse bem jurídico ofendido consubstancia-se na lesão aos direitos da personalidade. Ofendem-se, assim, a dignidade da pessoa humana, seu íntimo, a honra, sua reputação, seus sentimentos de afeto.

Uma interpretação mais simplista e superficial dos direitos da personalidade poderia levar à conclusão de que estes, por serem inerentes à natureza humana, não poderiam ser aplicados às pessoas jurídicas.

Contudo, considerando que (i) a pessoa jurídica é um ente com existência própria e com a capacidade de ser sujeito de direitos e deveres; (ii) os direitos da personalidade são direitos assegurados pelo ordenamento jurídico e (iii) facilmente se percebe que há alguns direitos da personalidade que podem ser compatíveis e aplicáveis à pessoa jurídica; não há qualquer razão lógica para se afastar a possibilidade de a pessoa jurídica também poder ser titular de direitos da personalidade.

Somado a isso, da simples análise do que dispõe a Constituição Federal e o Código Civil Brasileiro, verifica-se inexistir qualquer disposição legal que limite a aplicação dos direitos de personalidade tão somente às pessoas físicas. Pelo contrário, conforme se depreende do art. 5º da Constituição Federal, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem “das pessoas”, não tendo feito, aquela, qualquer tipo de distinção entre pessoas físicas e jurídicas.

Assim sendo, a pessoa jurídica, como proclama a Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça, pode sofrer dano moral e, portanto, está legitimada a pleitear a sua reparação. Muito embora não tenha direito à reparação do dano moral subjetivo, por não dispor de capacidade afetiva, pode sofrer dano moral objetivo, por ter atributos sujeitos à valoração extrapatrimonial da sociedade, como o conceito e o bom nome, o crédito, a probidade comercial, a boa reputação etc.

Importante observar que tais atributos (respeito, bom nome comercial e conceito que desfruta no meio social) são externos ao sujeito e, diferentemente do que ocorre com a honra subjetiva (que por referir-se exclusivamente à dor moral que afeta o psiquismo e é insuscetível de prova), são passíveis de comprovação, sem o que não se poderá ter como caracterizado o dano moral.

Veja-se que o dano moral suportado por pessoa natural se apresenta em si mesmo (in re ipsa), isto é, o dano é compreendido em sua própria causa. Por exemplo, não é necessário comprovar o dano moral que uma mãe e um pai sofrem com o falecimento do filho devido a um atropelamento causado por motorista que dirigia sob o efeito de bebida alcoólica. Nessa circunstância, o dano moral está contido no próprio ato ilícito – ou seja, em si mesmo –, sem a necessidade de questionar a existência de abalo psíquico dos genitores do falecido.

Ocorre que a possibilidade de considerar o dano moral em si mesmo – sem comprovação – decorre da existência de uma comunhão de valores éticos e sociais ou, ainda, de uma “essência comum universal” dos seres humanos. Como pessoas jurídicas são ficções legais, criadas para auxiliar o homem na condução das mais diversas atividades, e possuem como finalidade a obtenção e otimização de lucros, sem maiores espaços para valores existenciais, o dano moral acaba exigindo comprovação.

Dessa forma, o dano moral de pessoa jurídica não é idêntico àquele sofrido por um indivíduo. Percebe-se que a expressão dano moral é usada como analogia, uma vez que envolvem direitos extrapatrimoniais, mas não são de natureza biopsíquica e tampouco envolvem a dignidade da pessoa humana. Na hipótese da pessoa jurídica, como dito, protege-se a honra objetiva, sendo os danos causados em violação ao bom nome, à fama, à reputação.

Em razão da ausência dessa essência comum às pessoas jurídicas, portanto, é impossível ao juiz avaliar a existência e a extensão de danos morais supostamente sofridos pela pessoa jurídica, sem qualquer tipo de demonstração, apenas alegando sua existência a partir do cometimento do ato ilícito pelo ofensor.

Isso não quer dizer que é exigido da empresa uma precisa e inequívoca demonstração do prejuízo extrapatrimonial suportado, tampouco que o dano moral somente pode ser comprovado por meio de laudos periciais e contábeis aptos a indicar exatamente a existência e a extensão do dano por ela sofrido. De fato, para essa avaliação, os julgadores podem se utilizar de regras de experiência e presunções, por exemplo.

A fim de ilustrar essa possibilidade, veja-se a seguinte situação: uma sociedade que tem um título de crédito protestado indevidamente, a rigor, deveria demonstrar quais os prejuízos extrapatrimoniais sofridos, mas sabe-se – quer dizer, é de conhecimento comum – que com títulos protestados qualquer empresa é impedida de participar de licitações públicas, tem dificuldades na obtenção de crédito, entre outros efeitos deletérios, que permitem ao juiz, segundo sua análise, dispensar a produção de provas. Nesse sentido, inclusive, foi o julgamento do REsp 1414725/PR, pela Terceira Turma, ocorrido em 08/11/2016 (DJe 14/11/2016), em que se aceitou que, na hipótese de protesto indevido de cambial ou outros documentos de dívida, há forte presunção de configuração de danos morais.

Portanto, o ordenamento jurídico permite, sim, a condenação por danos morais impostos à pessoa jurídica, exigindo, no entanto – o que não o faz à pessoa natural –, comprovação dos danos à honra objetiva da empresa, algo que varia de caso a caso e deverá ser observado pelo magistrado responsável pela demanda.

 

* Advogada. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Magistratura Federal. Sócia da Bianchi Advocacia.

 


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