*Por Dra.Melissa Martins
Os últimos dias foram assombrados por diversas Leis, Medidas Provisórias, Portarias, Regulamentos e Instruções Normativas traçando diversas ordens e medidas necessárias ao enfretamento da calamidade pública causada pela pandemia pelo coronavírus – COVID-19.
Ainda que se reconheça em todas as medidas legais adotadas a efetiva intenção de evitar o colapso do sistema de saúde e evitar o agravamento da situação calamitosa com os efeitos direitos trazidos pela crise à economia, o excesso de normas acaba por criar ainda mais tumulto e insegurança jurídica quando se percebe a confrontação entre seus textos, ao invés de harmonia; e, a crescente judicialização destas normas.
Exemplo disso, se deu com a decisão liminar proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski, no dia 06/04/2020, nos autos da Ação direta de Inconstitucionalidade nº 6363, que estabeleceu que os acordos individuais para suspensão temporária do contrato de trabalho ou para redução da jornada de trabalho e do salário, prevista na Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, somente seriam válidos se os Sindicatos dos Trabalhadores, depois de notificados a respeito dos acordos, os ratificassem.
“(…) Isso posto, com fundamento nas razões acima expendidas, defiro em parte a cautelar, ad referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal, para dar interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória 936/2020, de maneira a assentar que “[os] acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho […] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração”, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes. Solicitem-se informações à Presidência da República. Requisitem-se a manifestação do Advogado-Geral da União e o parecer do Procurador-Geral da República. Comunique-se, com urgência. Publique-se.”
A decisão impactou milhares de empregadores que já haviam procedido com a formalização de acordos individuais com seus empregados, bem como, aos que pretendiam realizar acordos individuais apoiados na MP nº 936/2020. Para muitos, inclusive, o cumprimento a medida liminar tornou impossível a efetivação dos acordos individuais, pela ausência de Sindicatos dos Trabalhadores em sua municipalidade.
Foram precisos exatos 10 (dez) dias, para que o Tribunal Pleno da Corte Suprema examinasse a decisão liminar deferida e suspendesse seus efeitos.
“Decisão: O Tribunal, por maioria, negou referendo à medida cautelar, indeferindo-a, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidos o Ministro Ricardo Lewandowski (Relator), que deferia em parte a cautelar, e os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber, que a deferiam integralmente. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 17.04.2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência – Resolução 672/2020/STF)”.
Ultrapassado o primeiro obstáculo, em 22 de abril veio à lume a Portaria nº 10.486, com a finalidade de ditar as normas relativas ao processamento e pagamento do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda criado pela Medida Provisória nº 936/2020.
Embora a Portaria tenha sido editada com o objetivo de traçar os critérios e procedimentos relativos ao recebimento de informações, concessão e pagamento do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, nos termos da Medida Provisória nº 936/2020, em seu texto constam pontos que, mais uma vez, lançam preocupações e insegurança aos empregadores.
Neste aspecto, citamos o artigo 4º, §§ 2º e 3º da Portaria nº 10.486/2020:
Art. 4º O BEm não será devido ao empregado com redução proporcional de jornada e de salário ou suspensão do contrato de trabalho que:
I – também esteja ocupando cargo ou emprego público, cargo em comissão de livre nomeação e exoneração ou seja titular de mandato eletivo;
II – tiver o contrato de trabalho celebrado após a data de entrada em vigor da Medida Provisória 936, de 2020;
III – estiver em gozo de:
I – os empregados não sujeitos a controle de jornada; e
II – os empregados que percebam remuneração variável.
No referido dispositivo constata-se que, para os trabalhadores com remuneração variável não será devido o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, caso seja mantido o mesmo nível de produtividade ou de efetivo desempenho de trabalho existente durante a prestação de serviço em período anterior à redução proporcional de jornada de trabalho e de salário. Tal requisito, contudo, não está previsto na Medida Provisória nº 936/2020, assim como, não se encontram expressos os critérios e elementos que deverão servir como parâmetro para verificação do “nível de exigência e produtividade” por parte do empregador.
A Portaria nº 10.486/2020 traz ainda, em seu bojo, a vedação da celebração de acordos individuais para redução proporcional da jornada de trabalho e de salário ou para suspensão temporária do contrato de trabalho para os empregados que se enquadrem em alguma das vedações à percepção do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, inovando o texto da Medida Provisória nº 936/2020 que não apresentou proibição neste sentido.
Questões como essas, ao invés de auxiliar o empregador na tomada de decisão para buscar equalizar a continuidade de seu negócio e a manutenção das relações trabalhistas, criam mais incertezas.
A desatenção do legislador, que no afã de apresentar soluções para o enfrentamento do estado de calamidade pública, gera mais dúvida e controvérsia, torna necessário que se busque o Poder Judiciário, na tentativa de se obter um mínimo de segurança jurídica, e, tem por efeito, fazer com que o Judiciário ofereça uma resposta, ainda mais célere e urgente, para evitar que os empregadores adotem a ação mais imediata para a solução da questão ─ a demissão, para evitar passivos trabalhistas futuros.
Nesta linha, percebe-se que qualquer tomada de decisão, por mais simples que pareça, dever ser feita sob acompanhamento técnico, cercando-se de toda cautela e adotando-se todas as medidas legais cabíveis, de modo que sejam anulados ou minimizados a ocorrência de quaisquer passivos trabalhistas.
* Advogada. Especialista em Direito Tributário e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Sócia da Bianchi Advocacia