15 jun

A COVID-19 E AS RELAÇÕES CONTRATUAIS

Postado por admin Em Artigos

*Dra. Kátia Schenato Valandro

Desnecessário referir o grande impacto na vida econômica, na empregabilidade e na conservação dos contratos que a pandemia causada pela Covid-19 trouxe.

Neste necessário excepcional e transitório, diversas relações contratuais foram fortemente abaladas.

Milhões de trabalhadores já tiveram os salários reduzidos ou o trabalho suspenso.

As consequências econômicas já são sentidas: (i) impossibilidade de cumprimento de contratos e obrigações; (ii) atrasos no recebimento de prestações; entre outros.

Em razão do cenário vivido, muito se fala sobre caso fortuito e força maior, na possibilidade de revisão e rescisão dos contratos; na suspensão das obrigações previstas nos instrumentos, etc.

Mas, efetivamente, o que a lei prevê?

A primeira questão que tem que ser considerada é que a regra geral é a não revisão dos contratos.

Isso porque os contratos criam vínculos obrigacionais entre as partes, isto é, o contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha que ser cumprido.

Com efeito, a lei civil prevê (art. 421, CC) que nas relações contratuais privadas prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

Deixou claro, o legislador, ainda, que os contratos civis e empresariais se presumem paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, de modo que a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.

Vê-se, portanto, que a regra é a ingerência mínima do Poder Judiciário nas relações contratuais.

Assim, tem-se que falar sobre a possibilidade de revisão/rescisão dos contratos em razão da superveniência de fatos ocasionados pela pandemia com cautela.

Em linhas gerais, a legislação processual prevê três teorias que podem embasar o pleito de revisão/ rescisão dos contratos, quais sejam: (i) onerosidade excessiva; (ii) caso fortuito/ força maior; e (iii) teoria da imprevisão.

A onerosidade excessiva, prevista nos artigos 478, 479 e 480 do Código Civil, exige a prova de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, que dificultam o cumprimento do contrato, onerando excessivamente uma das partes. Neste caso, é possível cumprir a obrigação, embora ela se torne excessivamente onerosa. Tal situação permite a revisão ou a extinção do contrato.

A onerosidade excessiva não se confunde com a impossibilidade da prestação (que configuraria caso fortuito e força maior).

Nos casos de onerosidade excessiva, a prestação de certa maneira ainda é possível e não existe a perda do objeto, embora essa se torne custosa em razão dos acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.

Já o caso fortuito/força maior (artigos 393, do Código Civil) exige a comprovação de acontecimento cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir. Tais acontecimentos impedem o cumprimento do contrato, sendo causa, portanto, de extinção/ resolução do contrato.

Tanto o caso fortuito como a força maior podem ser entendidos como ações de causas que se situam fora do alcance da vontade de uma parte, obrigada a realizar uma certa prestação, impedindo-a de seu cumprimento. Tem como requisito tudo que não pode ser previsto quando da criação da obrigação, e mesmo que fosse previsto, é sempre aquele acontecimento cujos efeitos não seriam possíveis evitar ou impedir.

Produzem como consequência a isenção de responsabilidade da parte impedida da execução da obrigação, excluindo-se a sua culpa.

Por sua vez, a teoria da imprevisão – artigo 317 do Código Civil – permite ao juiz, quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, corrigi-la, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Analisadas as possibilidades de rescisão/ revisão das obrigações contratuais, tem-se que abordar a forma de agir nos casos que as partes pretendem se valer de tais institutos.

Não basta tão somente alegar tais teorias, as quais não devem ser invocadas por aqueles que já estavam inadimplentes, ou prestes a inadimplir antes da ocorrência dos acontecimentos extraordinários, prevalecendo sempre o princípio da boa-fé.

De fato, não basta tão somente a existência da pandemia a permitir (i) a suspensão, (ii) o encerramento de contratos e/ou (iii) a sua revisão sem penalidade ou consequência.

Deverá ser feita escorreita análise da natureza do contrato, do real impacto das novas circunstâncias e da capacidade da parte cumprir as suas obrigações.

O primeiro passo é definir as consequências: (i) os efeitos da pandemia impedem ou impossibilitam o cumprimento da obrigação?; (ii) esse impedimento é temporário? Ou definitivo?; (iii) se temporário, quanto tempo?; (iv) quais as formas de mitigar os prejuízos causados?

Após, defina se deseja: suspender, revisar ou terminar o contrato.

Depois, analise o contrato celebrado e verifique a forma como as hipóteses e os riscos se encontram alocados entre as partes. A depender de como esteja estruturado o contrato, é possível que desde logo se identifique uma solução para o enquadramento jurídico da pandemia causada pela Covid-19.

Além disso, é de extrema importância atentar-se para a prova que a inexecução da obrigação/do contrato ocorreu devido à pandemia.

Notifique à outra parte sobre a sua intenção.

Negocie.

A dinâmica instituída pelo Código Civil é inteligente. O credor tem em suas mãos o poder modificativo que, se exercido, impede a resolução. De modo que, ao credor, não interessa a resolução do contrato que ainda lhe traz vantagens, sendo preferível a adequação de seu conteúdo.

O devedor, por sua vez, se não tivesse como arma o poder de pleitear a resolução, ficaria sob o jugo do credor.

Assim, a melhor solução do problema pode não estar na judicialização do conflito, mas na negociação entre as partes.

Por fim, é necessário referir que há diferentes efeitos da pandemia em cada relação contratual, os quais podem, inclusive, não se enquadrar totalmente no conceito das hipóteses que autorizam a revisão/ rescisão do contrato. Dessa forma, sugere-se que as partes procurem profissional de sua confiança para esclarecer dúvidas e solucionar eventuais discussões e problemas.

*Advogada. Especialista em Direito Previdenciário e em Direito dos Negócios. Sócia da Bianchi Advocacia.


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